Janelas escancaradas
Inglaterra, 1850.
A máquina de fiar não tem descanso, o movimento é contínuo e ininterrupto. Está murado o acesso a qualquer pausa.
A fábrica de produção de algodão a baixo custo pinta os céus de negro durante o dia, e salpica a noite de pontos luminosos lembrando cintilantes pirilampos.
Lá dentro o ar é irrespirável e o cansaço de dezenas de horas de trabalho torna-se perigoso.
A Inglaterra cresce desmesuradamente em todos os sentidos, e torna-se a referência da abundância, quer em grandes produções e maquinaria quer em grandes carências humanas e políticas.
Inicia-se uma nova era — a da desvalorização do ser humano.
Vêm de todos os lados para a grande cidade e amontoa-se a degradação.
Os pobres vivem como podem. Ficam à margem dos grandes senhores, em subúrbios, casas velhas e sem condições. O cheiro nauseabundo do bairro mostra esgotos, ratos, ruas esburacadas e falta de água canalizada. Vivem em miséria com o seu salário extremamente baixo e uma carga de 16 horas diárias de trabalho, das quais podem usar meia hora para almoçar. Jornada cruel onde a possibilidade de perder o emprego está sempre presente, não há protecção quando calha haver acidentes de trabalho ou problemas de saúde.
Mulheres e crianças também operam e a sua remuneração é, pelo menos, 50% menor do que a dos homens.
A verdade é que se vive quase sempre dentro e exclusivamente para a fábrica.
Leeds, Norte de Inglaterra, 1871.
Isabella tem 16 anos e vai a caminho da escola para mais um período de aulas. Sente falta das suas pupilas. Diversas meninas com quem tem sempre tanto a aprender e a descobrir.
A maioria são filhas de trabalhadores dos moinhos que lhe confidenciam as dificuldades dos trabalhos árduos dos pais.
Durante o dia Isabella dedica-se à sua maior paixão — a escrita —, e prepara as aulas para a noite.
No percurso para a escola pensa nos seus pais e entende como lhes é grata; o ser possível dar aulas, o convívio com as suas alunas, a partilha de ideias e sobretudo a compreensão de como a Inglaterra cresce e se divide em classes tão opostas.
A classe operária sempre lhe despertou atenção, mas agora que ia a caminho da idade adulta essa atenção substitui-se por outros sentimentos — de injustiça e revolta.
Há uma pergunta constante no seu pensamento.
Como podem ver, aquelas fábricas, a luz?
Em casa já tinha ouvido o pai falar da trade union, a livre associação de trabalhadores que lutam por melhores salários e menor horário laboral e de como as lutas estão cada vez mais intensas e violentas.
Os pais transmitiram-lhe três grandes ideais — Estima, Igualdade e Amizade. Estudou História, Literatura, Arte e Ciência.
Hoje a casa da família é já um local de encontro e de debate político.
Os amigos que vai fazendo são influentes e com ideias radicais e transformadoras.
Com 25 anos continua a desejar a igualdade para todos e ajuda costureiras a formarem um sindicato. Participa na fundação do Partido Trabalhista Independente (ILP) e envolve-se no movimento sufragista.
A sua luta não mais pára, e em 1903 fala na conferência anual do Comitê de Representação Trabalhista, sendo a primeira mulher a fazê-lo, contrariando a sua natural timidez.
Isabella foi escritora, sindicalista, sufragista e pacifista, lutou pela dignidade de todos, pelos direitos das mulheres, pela emancipação.
Viveu a primeira guerra mundial e sempre foi uma acérrima defensora da paz.
…………...
Com as janelas da tua casa escancaradas, as portas todas abertas, onde toda a circulação é livre, onde a luz entra sem filtros e sem receios, consegues ser mais e melhor.
Se a luz te traz amor para todos num mundo igual onde cada qual pode ser livre, sente-te abençoada.
Se pelas tuas janelas entram livros, artigos e notícias, entra Ciência, História e Religião.
Se nas tuas janelas se pendura gente que gosta do debate, de diferentes ideias e as aceitam mesmo após grande discussão, és feliz.
Escancara todas as janelas e deixa a luz do mundo entrar sem caprichos nem desejos.
Com a luz da janela vais ter uma abertura crescente ao diferente, à humildade e à serenidade.
Com a luz da janela podes ser quem tu quiseres!
Era assim em casa de Isabella, família de janelas abertas sem pudor e sem medo.
Janelas abertas à luz que lhe permitiu ser aquilo tudo em que acreditou.
Abre a janela!
Patrícia Soler
Fontes:
*Wikipédia
*https://spartacus-educational.com/Wford.htm
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