{Desafio de segunda-feira, 30 de Março de 2020}
Início
Hoje, ela acordou assim.Reparou na grua que estava a girar. Ali, muito perto. Pensou na liberdade dos trabalhadores. Os únicos, ali, por perto, que se mexiam, impávidos ao mundo actual.
— Mas, era Sexta-Feira Santa! Como era possível que já não se respeitasse os direitos dos trabalhadores? - pensou ela.
Pensava em direitos? Ela? Numa época em que a salvação estava no lado oposto dos direitos?
Mas, era Sexta-Feira Santa e, neste dia, aquela gente deveria estar em casa com a Família. Na célula mais pequena da estrutura social.
Que confusão: direitos, família, trabalhadores, célula. Célula?
O Vírus? Ela sentia-o nos pensamentos. Mas, também, nas palavras.
— Que mais nos impede de voltar a ser Gente? - pensava ela.
Aqueles trabalhadores conseguiam sê-lo. Gente. Activa. Resolvida. Livres. Ganhavam pouco, ao sol e ao frio, mas só eles conseguiam ser Livres, neste mundo de retraimento.
Tocavam os sinos. Claro, era Sexta-Feira Santa.
Nas Sextas-Feiras Santas, os sinos tocam. Chamam-nos para a Igreja. São grandes, em bronze. Pesam toneladas. Soam robustez, vigor, solidez, ânimo. De que tanto ela precisava.
Entretanto, eles — os trabalhadores — continuavam o seu labor. Faziam-no como se o mundo não tivesse parado.
Os ferros batiam uns contra os outros. Ecoavam, no silêncio asfixiante de uma cidade serena. Uma e mais uma, e mais outra, e outra, e mais outra. Convencia-se de que eram os sinos, que tanto ela queria ouvir, naquela tarde de Sexta-Feira Santa. Porque, nas Sextas-Feiras Santas, há sinos.
E os Sinos marcam Inícios. Ela não sabia muito bem de quê! Mas confortava-a sabê-lo.
Cármen B. Mendes
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