{Desafio da semana — 20 de Abril de 2020}
Devagar, o Tempo transforma tudo em Tempo
Olho para o espelho e vejo as linhas que entretanto se formaram à volta dos olhos, dos lábios, na testa. Lembram-me que a vida, qual rio por vezes calmo, por vezes turbulento, corre sempre num sentido, sem volta. E agora que o meu corpo amadurece, que se verga à passagem do tempo e inicia a sua última jornada, a minha mente voa até outros tempos que mais parecem terem sido vividos noutra vida. Aconteceram mesmo? Pergunto-me.
Já não recordo o rosto dele, apenas uma silhueta sem traços, sem feições. Só nos sonhos é que ele me visita, de vez em quando, no esplendor em que o conheci. Recordo aqueles dias em que a felicidade de sentir o seu toque, a sua presença apenas, me trazia tamanha felicidade que eu sufocava com o medo de que um dia acabasse. E a verdade é que acabou. Sem aviso, inesperadamente. Lembro-me de como fui arrancada de uma realidade à parte, só nossa, pelo seu olhar vazio, indiferente, distante. E eu fiquei só, à deriva, num imenso oceano de amargura. Como se, de repente, qualquer inspiração e expiração, qualquer pensamento, qualquer pestanejar de olhos se tornaram num esforço hercúleo para os concretizar. Naquele tempo tive a certeza que tudo ficaria por ali. Depois dele, nada mais aconteceria: nem sonhos, nem futuro, nem vida. Nada!
De dia para dia afundei-me cada vez mais no meu desespero, nas memórias dos tempos felizes que sabia que não mais voltariam. Os poemas e as canções de amor, por mais banais que fossem, gritavam o seu sentido que outrora me havia passado despercebido. E as lágrimas caíam, quentes, febris. E o ar faltava-me, a comida não entrava e a vontade de sair da cama diminuía de dia para dia. Para quê? O que ficara por viver se já experimentara o êxtase e agora existia simplesmente o vazio? E o tempo não passava. Paralisou neste meu estado letárgico, de quase morte, em que nada parecia acontecer.
Agora olho para o espelho e vejo como, afinal, fora da minha perceção, os dias sucederam-se em semanas, as semanas em meses, os meses em anos. E subitamente, não sei bem quando, o ar voltou a encher-me os pulmões, voltei a perceber os dias, as semanas, os meses. E a vida, que não parou de correr, reclamou o seu lugar. Lentamente, regenerou-se. Outra vida aconteceu depois disso. Sim, o tempo passou e as linhas no meu rosto aqui estão para o provar. E tudo ficou para trás. Afinal, não passam, agora, de memórias, de folhas murchas que se dispersam com o vento. Lembram-me, apenas, que não sucumbi. Lembram-me que sobrevivi.
Já não recordo o rosto dele, apenas uma silhueta sem traços, sem feições. Só nos sonhos é que ele me visita, de vez em quando, no esplendor em que o conheci. Recordo aqueles dias em que a felicidade de sentir o seu toque, a sua presença apenas, me trazia tamanha felicidade que eu sufocava com o medo de que um dia acabasse. E a verdade é que acabou. Sem aviso, inesperadamente. Lembro-me de como fui arrancada de uma realidade à parte, só nossa, pelo seu olhar vazio, indiferente, distante. E eu fiquei só, à deriva, num imenso oceano de amargura. Como se, de repente, qualquer inspiração e expiração, qualquer pensamento, qualquer pestanejar de olhos se tornaram num esforço hercúleo para os concretizar. Naquele tempo tive a certeza que tudo ficaria por ali. Depois dele, nada mais aconteceria: nem sonhos, nem futuro, nem vida. Nada!
De dia para dia afundei-me cada vez mais no meu desespero, nas memórias dos tempos felizes que sabia que não mais voltariam. Os poemas e as canções de amor, por mais banais que fossem, gritavam o seu sentido que outrora me havia passado despercebido. E as lágrimas caíam, quentes, febris. E o ar faltava-me, a comida não entrava e a vontade de sair da cama diminuía de dia para dia. Para quê? O que ficara por viver se já experimentara o êxtase e agora existia simplesmente o vazio? E o tempo não passava. Paralisou neste meu estado letárgico, de quase morte, em que nada parecia acontecer.
Agora olho para o espelho e vejo como, afinal, fora da minha perceção, os dias sucederam-se em semanas, as semanas em meses, os meses em anos. E subitamente, não sei bem quando, o ar voltou a encher-me os pulmões, voltei a perceber os dias, as semanas, os meses. E a vida, que não parou de correr, reclamou o seu lugar. Lentamente, regenerou-se. Outra vida aconteceu depois disso. Sim, o tempo passou e as linhas no meu rosto aqui estão para o provar. E tudo ficou para trás. Afinal, não passam, agora, de memórias, de folhas murchas que se dispersam com o vento. Lembram-me, apenas, que não sucumbi. Lembram-me que sobrevivi.
Maria João Seixas
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