{Desafio da semana — 27 de Abril de 2020}
Sophia de Mello Breyner Andresen na casa da Travessa das Mónicas, 1964.
Fotografia de Eduardo Gageiro.
Fotografia de Eduardo Gageiro.
A procura da minha âncora
Hemingway apoiou-se numa «frase verdadeira» para construir e organizar o seu pensamento, concretizando-o em forma de escrita.
Quando me foi sugerido, pelo Clube de Letras, que pensasse sobre o caminho que trilho para chegar às palavras escritas, tornou-se-me logo objectivo que eu, também, percorreria uma qualquer forma de estruturação de ideias e que partiria do conceito de algo que me causaria admiração, quer por reparar numa pintura, ou por ler um texto, um pensamento, ora por deter atenção em alguém que por algum motivo não me fosse indiferente.
Como na vida partilhada, toda a obra segue um caminho a partilhar, por isso reveladora de emoções, ora sentidas no presente, ora com o desejo de as sentir ou com a ânsia de as transmitir a quem lê.
Num papel em branco, as primeiras palavras lembram um barco chegando a um porto, que ao lançar a âncora, cheia de ganchos articulados, procura estabilidade que o permita continuar o seu trajecto em solo firme. Tal como o escritor, com a sua história, quando se agarra a uma âncora para, através dela, construir cenários de escrita.
Quando as palavras são escassas e parecem querer não me ultrapassar, procuro a minha âncora, agarro-a e lanço-a sobre o papel. Este é o meu solo firme, em que o conceito de algo faz-me surgir palavras, pensamentos, acrescentando e eliminando, até ordenar as frases, tantas as vezes quanto o sentido que vou dando ao desenrolar daquilo que narro.
Esta âncora é a minha realidade e é aquilo de que preciso para passar à ficção, ainda que neste processo de escrita haja uma constante dialéctica entre a existência de um facto e o que é imaginado, mesmo se idealizado a partir daquela realidade.
Cármen B. Mendes
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