Andreia Tibério: A miscelânea do tempo em palavras e afeições

{Desafio da semana — 20 de Abril de 2020}

O Tempo — Passado e Presente, Paula Rego


A miscelânea do tempo em palavras e afeições

para AC, AT, DM, FM, FD, IS, LC, LM, MS, MP, SD


Em O Tempo — Passado e Presente, de PR, descortino um assumir experimental de retorno a outras passagens. Não falo de estética, mas dos constituintes da pintura e dos elementos que os integram.
As histórias aqui são recônditos puzzles com reflexos e subterfúgios cromáticos, demãos e rasgos que me dificultam o deleite visual e, contudo, prendem a atenção pelo que está oculto por detrás das imagens. O prazer é escasso e demora, mas gera-se num segredo táctil, um murmúrio interior de jornada transitória.
O início do dia cruza-se com o final da noite e o céu ganha a cor de transparência que não revela em que tempo estamos. O início da noite cruza-se com o final do dia e o céu ganha a cor de transparência que não revela em que tempo estamos.
Claro e o escuro combinam-se, a rotina alcança protagonismo que espaça o que me é íntimo. A solidão investe com força no presente que não difere, agora, do passado. Não fossem as máscaras que adopto viveria sempre num inalterável palco, sem direito a ensaio geral.
Em O Lustre, Clarice Lispector refere que «os dias eram de uma tristeza perfeita que terminava por se ultrapassar e deslizar para uma quietude sem além». Antecipando os tempos e reforçando a sobreposição do antes do agora e do depois; onde a beleza e a angústia são unas.
O que é longo no tempo percorre devagar os minutos da passagem, em escassas e limitadas horas que desumanizam o acto de respirar.
Forço a memória a recordar, numa embriaguez constante, o que antes me era louvado; com uma resiliência temerária entro num turbilhão de percepções que, em limitados instantes fotográficos, são coreografados a um ritmo que outorga a alienação mental imposta.
Ao espreitar, naquela janela, ao fundo, vejo do lado de lá o que mais ninguém vê — o murmúrio do mar a sussurrar na praia onde todos: pais, filhos, netos, tios, avós… retomamos as ocasiões prazenteiras de lazer que, devagar, se vão dissipando na memória.

Andreia Tibério

Comentários