{Desafio de segunda-feira, 16 de Março de 2020}
«Este medo é, sobretudo, o medo dos outros. O contágio vem inopinadamente, violentamente e ao acaso. Qualquer um, estrangeiro ou familiar, pode infectar-nos. O acaso e o contacto passam a ser perigo e ocasião de morte possível, e todo o encontro, um mau encontro. Neste sentido, o outro é o mal radical. A relação com os outros e a comunidade sobre um abalo profundo. O laço social, que, mais do que na inveja e no amor-de-si, se enraíza no “amor” ao outro (como afecto gregário da espécie), encontra-se comprometido, ameaçando romper-se. O outro é o inimigo, que quer a minha morte: do medo do ataque mortal ao pânico paranóico vai apenas um passo. A epidemia do novo coronavírus faz também emergir, à tona da consciência social, o pior das nossas pulsões mais sedimentadas. Mas também o melhor: aquele afecto, presente desde sempre em certas profissões, como a dos médicos e enfermeiros, torna-se agora plenamente visível aos olhos do cidadão planetário.»
José Gil, O Medo (ensaio publicado no jornal Público)
Ilustração de Oliver Jeffers
A FORÇA
Quando, em Dezembro, ouvimos falar pela primeira vez no novo coronavírus, ainda «ele» estava no outro lado do planeta, numa localidade longínqua, que é muito além do horizonte do mais simples ser humano. Sendo assunto ainda ausente, a nossa existência prosseguiu sem sobressaltos.Acordamos um dia com «ele» bem mais achegado, e outro dia ainda mais, até que veio mesmo infiltrar-se entre nós.
E a partir daí começámos a observar o medo todos os dias no nosso quotidiano, e iniciámos variadíssimas discussões sobre todas as questões do comportamento humano e colocámos todos os nossos instruídos hábitos e costumes em causa.
Falha a sociedade como um todo mas, sobretudo, o Homem, com os seus comportamentos egoístas. Incauto, acha que não chegará a ele. Não percebe que existe uma vida exequível para ele em sintonia com a Natureza. Observem os canais de Veneza.
Será que a Itália percebeu o que é #fiqueemcasa? Porque 50 mil multas por desobediência civil mostra um povo despreocupado consigo e com os outros.
A ciência mostra que a proliferação do vírus é colossal; mas esta proliferação será por falta de coordenação das políticas dos Estados ou por falta de coordenação da mente humana?
Aconselhados ao isolamento e distanciamento social, descobrimos que este é essencial para o sistema funcionar e que não é um contributo reduzido.
Fazemo-lo por nós e por todos os que não o podem fazer. Não é apenas uma defesa egoísta da família: é uma defesa de e para todas as famílias do País.
Dentro deste isolamento é necessário lutar contra várias «viroses» que nos tentam contagiar – o medo, a angústia, a incerteza, a ansiedade...
Aqui é preciso lutar muito, com todas as nossas armas, com todas as nossas forças, mantendo-nos atentos e preocupados com os outros. Os que estão isolados e os que dão tudo no seu trabalho que não lhe permitiu a confinação.
Estamos isolados geograficamente mas emocionalmente nunca estivemos tão próximos. E quem nos ajuda também nessa proximidade? As nossas orações. As nossas promessas. A nossa esperança de que daqui a um tempo se retome o calendário natural da vida.
As «malignas» das redes sociais que tanto nos afastaram são hoje a principal ferramenta de trabalho, de comunicação e de distracção.
As reivindicações de profissionais como enfermeiros, médicos, estivadores, camionistas, fazem ou devem fazer cada vez mais sentido quer para nós quer para os nossos governantes.
E o que colher e guardar para sempre com tudo isto?
Afinal somos todos humanos, frugais humanos pejados de dúvidas, medos e angústias, mas também FORÇA. A vida e a morte são condições igualitárias para todos sem excepção de língua, cor, estatuto ou condição financeira.
E erramos e vamos errar sempre, faz parte da condição.
Os números em Itália e Espanha mostram os erros dos governos e da sociedade.
É impossível vivenciar isto sem ficarmos gélidos com todos os que sabemos que estão ou que se sentem abandonados. É impossível romantizar ou fazer textos bonitos perante tamanha catástrofe e sofrimento; só nos resta acreditar que, com muita informação, respeito e colaboração, todos vamos ficar bem.
Provavelmente o nosso sossego nunca mais vai ser o mesmo, ou a expressão «sossego» mudará para sempre no nosso dicionário; mas que fique também para sempre que os obstáculos que a vida nos oferece são sempre oportunidades para avançar e na vida tudo e quase absolutamente tudo depende em grande medida de nós próprios — eu, tu e o outro.
Só assim conseguimos uns parar, outros abrandar, e perceber que sim, que isso é possível e que o mundo continua a girar.
Só assim alguns (muitos) de nós conseguiremos olhar em nosso redor e tomar decisões para melhor.
Perante tamanha extensão desta calamidade nada mais será igual, a realidade não será mais a mesma e há marcas que ficarão para sempre.
Registe-se mais uma vez que a epidemia de gripe sazonal, na época passada, e segundo o Instituto Ricardo Jorge, matou mais de 3 mil pessoas. As doenças cardiovasculares matam 35 mil pessoas anualmente. E em 2018 foram registados em Portugal mais de 50 mil novos casos de cancro.
Porque somos fortes, teremos todos uma nova era pela frente, com uma maior maturidade e uma maior capacidade de assumir as nossas responsabilidades. O preço é demasiado alto, mas se cada um de nós perceber que tudo o que fazemos aos outros seres e à Natureza fazemos a nós mesmos, conseguiremos compreender o mistério da unidade.
Patrícia Soler
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