{Desafio de segunda-feira, 16 de Março de 2020}
«Este medo é, sobretudo, o medo dos outros. O contágio vem inopinadamente, violentamente e ao acaso. Qualquer um, estrangeiro ou familiar, pode infectar-nos. O acaso e o contacto passam a ser perigo e ocasião de morte possível, e todo o encontro, um mau encontro. Neste sentido, o outro é o mal radical. A relação com os outros e a comunidade sobre um abalo profundo. O laço social, que, mais do que na inveja e no amor-de-si, se enraíza no “amor” ao outro (como afecto gregário da espécie), encontra-se comprometido, ameaçando romper-se. O outro é o inimigo, que quer a minha morte: do medo do ataque mortal ao pânico paranóico vai apenas um passo. A epidemia do novo coronavírus faz também emergir, à tona da consciência social, o pior das nossas pulsões mais sedimentadas. Mas também o melhor: aquele afecto, presente desde sempre em certas profissões, como a dos médicos e enfermeiros, torna-se agora plenamente visível aos olhos do cidadão planetário.»
José Gil, O Medo (ensaio publicado no jornal Público)
Ilustração de Pascal Campion
Eu sou o outro para o outro
Afastaram-se.Correram, inquietados por sentimentos devastadores, ansiosos por momentos de conforto.
Eram visíveis para o Outro.
Olharam-se de modo sombrio.
Desnudaram pensamentos.
Sempre aquela imagem.
Escutaram os passos de alguém.
Uma ameaça.
Um simples passo.
Eram passos deles, que passaram a ser de todos.
Sons, sobre os quais nunca haviam detido interesse, mas dos quais fugiam, como se de um inimigo se tratasse, que, não estando visível, era mais difícil de combater.
Restava-lhes a esperança.
A esperança de um dia deixarem de ser o outro para o outro.
Cármen B. Mendes
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